“Foi muito feliz a escolha do nome Feira de Projetos do Mar, porque o evento realmente conseguiu integrar todo mundo: o pessoal do artesanato relacionado ao mar, da pesca, do laboratório, da maricultura.” Assim que André Dahmer, da Associação dos Maricultores da Baía da Ilha Grande (AMBIG), encerrou sua participação na roda de conversa sobre Maricultura, no último dia da terceira edição do Festival da Pesca – Feira de Projetos do Mar.
Realizado em Paraty, nos dias 29 e 30 de novembro, o evento fechou um ciclo de celebração para as comunidades que vivem do mar. Ao todo, 15 projetos participaram do evento que debateu importantes temas sobre o futuro da pesca artesanal.
A diversidade de encontros e exposições, recheadas de história e conhecimento, reuniu turistas e moradores de Paraty, apresentando as riquezas da Costa Verde. Marcelo Fernandes, biólogo e morador de Paraty, levou a família nos dois dias de programação. “Esse é o melhor tipo de feira que já aconteceu por aqui, pois você consegue mostrar a cultura caiçara. Tem roteiros e passeios para fazer que pouca gente sabe.”, elogiou Marcelo.
Um espaço para construir pontes

Quiosque do Quilombo da Área de Proteção Ambiental de Cairuçu
Território de três unidades de conservação federal, a região da Costa Verde, guarda histórias de resistência da cultura caiçara. No Festival da Pesca, as rodas de conversa deram visibilidade a vozes locais que mostraram, com clareza, que conservar o mar é também cuidar das pessoas que dele dependem.
“Pescar é um ato de resistência e para ter a pesca artesanal a gente precisa primeiro do território”, defendeu Robson Possidônio da Associação dos Barqueiros e Pescadores Tradicionais de Trindade (ABAT) durante a Roda de Conversa Sustentabilidade da Pesca. Ele ressaltou a urgência de políticas públicas que garantam a permanência e o protagonismo das comunidades que vivem em áreas com Unidades de Conservação.
Robson acredita que os debates ajudam a reverter um histórico de exclusão desse dilema que não é novo e mostra a complexidade do manejo no litoral fluminense. “A gente precisa investir em criar uma identidade e um selo para o peixe que vem da pesca artesanal”, propôs, lembrando que o conhecimento acumulado por gerações é parte do valor do produto e questionando escolhas de consumo que ignoram o peixe fresco local.
Para Eduardo Godoy, chefe da Estação Ecológica de Tamoios do ICMBio, o objetivo é co-criar com as comunidades soluções sustentáveis de extrativismo, protegendo berçários e áreas de reprodução. Assim, UC e o pescador seguem no território, garantindo uma agenda de continuidade. “Eu acredito que a gente possa criar com os pescadores artesanais e investir nessas técnicas sustentáveis”, defendeu.
Nesse sentido, Robson pontua que a sociedade também precisa entender que o trabalho da pesca artesanal está “perpetuando um estilo de vida ancestral, milenar e sustentável, diferente daquilo que está sendo comercializado nas gôndolas do mercado, feito de forma industrial, que desmata, retira comunidades indígenas e degrada o meio ambiente”, argumenta.
Protagonismo feminino e o avanço da bioeconomia

Roda de conversa Protagonismo Feminino
Dentre os caminhos comuns das iniciativas, o protagonismo feminino diversificando a renda das comunidades e impulsionando a bioeconomia foi destaque em diversas rodas de conversa. Seja no beneficiamento do pescado exaltando a gastronomia ancestral caiçara, na produção de biojóias ou liderando roteiros de Turismo de Base Comunitária (TBC), as mulheres têm mostrado sua força na cadeia produtiva da pesca.
Lideranças como Ana Lopes, coordenadora do projeto que forma guias comunitários na Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (RBMA) destacaram o TBC como alavanca para renda, permanência no território e fortalecimento da governança local. “Em todos os nossos projetos há liderança sendo formada do território, e fico feliz quando essas lideranças são mulheres”, disse Ana.
O TBC permite desbravar as belezas do território sem descaracterizar a cultura, com agendas que integram pesca, artesanato, cozinha e trilhas conduzidas por quem conhece cada enseada.
“A gente trabalha para que o outro conheça aquilo que a gente é, a nossa cultura, os nossos valores e não somente belezas naturais, porque para manter a beleza natural eu preciso ter o povo ali para cuidar.”, exclama Jaisa dos Santos da Associação de Moradores e Pescadores Enseada das Estrelas (AMPEE), uma das cofundadoras do roteiro de TBC “Enseada das Estrelas e Suas Raízes” na Ilha Grande.
Desde então, as comunidades vivem um momento de transformação em que as mães podem levar seus filhos enquanto guiam turistas pelo território ou cozinham. Ela conta que as marisqueiras da comunidade, em sua terceira geração, hoje reconhecem a força da atividade que aprenderam com suas mães e avós.
“A gente gosta que as pessoas falem com a gente e não pela gente” – Leila da Conceição, caiçara e liderança da praia do Sono, integrante dos coletivos e articulações que deram origem ao Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT) e do Coletivo Nós do Sono
Outra face desse protagonismo é por meio da gastronomia. Na roda de Cultura Alimentar, mulheres de coletivos de Paraty e Trindade reforçaram a cozinha como espaço de transmissão de saberes, empreendedorismo e autonomia. “Cozinhar é reunir, é união”, disse Pérola Rosa, administradora do Coletivo Mulheres Caiçara de Trindade.
Pérola defende que o fortalecimento local começa nas próprias comunidades ao priorizar compras de produtores vizinhos, mantendo a economia girando no próprio território. Assim, cozinhar se torna uma ferramenta para perpetuar memória, criar renda e compartilhar orgulho.
Do alimento que chega à mesa até os saberes que sustentam a economia e a identidade caiçara, ao dar visibilidade às histórias locais, o Festival da Pesca se consolidou como um espaço de construção, confiança e pactuação de caminhos. No “olho no olho”, comunidades reforçaram que a gestão compartilhada é a rota para conciliar conservação, cadeia do pescado e turismo. “Esse ambiente é o que a gente necessita real: o tete-a-tete para discutir e desenhar um plano de futuro para a pesca e a preservação”, resumiu Robson.
Imagens: Joaquim Lima