Dias e noites de luz

“Todos os astros precisam estar alinhados para que a gente tenha a energia elétrica funcionando aqui”. A frase já virou uma brincadeira, mas esconde uma dor comum entre várias comunidades caiçaras de Paraty: com redes precárias e interrupções constantes, os moradores da região vivem os dias na incerteza. Mas uma iniciativa construída por eles próprios promete dar fim a esse sofrimento: as comunidades de Trindade, Ponta Negra e Caieira (Paraty-Mirim) acabam de ganhar mais autonomia e qualidade de vida com a instalação de painéis solares e miniusinas hidrelétricas em seus territórios. 

 

“Estamos passando por uma mudança profunda”, resume Jonas Alves, presidente da Associação de Condutores Ambientais de Paraty e articulador na iniciativa Energia Caiçara, que recebe apoio do Projeto Educação Ambiental. Morador de Trindade, Jonas já perdeu as contas de quantas vezes sua comunidade ficou sem luz. “Se chove ou venta forte a gente já começa a se preocupar. O sistema aqui na região é precário e obsoleto: nunca sabemos quando vai nos deixar na mão”, diz ele. 

 

E deixar na mão significa muito mais do que ficar à luz de velas: os postos de saúde param de funcionar, as escolas mandam os alunos para casa, alimentos estragam, famílias inteiras ficam sem comunicação e as atividades de geração de renda são diretamente afetadas. “Ainda tem outro agravante – quando a energia acaba, seu restabelecimento não é simples: às vezes ficamos dias sem o problema ser resolvido”, conta Jonas. 

 

A mudança, porém, já começou. Em Trindade, um kit de placas solares e bancos de bateria está garantindo a autonomia de três espaços coletivos: a Associação de Moradores Originários de Trindade (AMOT), a Associação de Barqueiros e Pescadores Tradicionais (ABAT) e o Mercado Caiçara, que está em construção e deve receber diariamente cerca de duas toneladas de pescado. “É uma espécie de backup: se cair a energia da concessionária, esses espaços vão conseguir se manter sem prejuízos até que a luz volte”, explica Cauê Vilela, subcoordenador da iniciativa Energia Caiçara e presidente da Associação de Moradores de Ponta Negra. 

 

Para chegar à comunidade onde vive Cauê é preciso pegar um barco ou uma trilha. Quando o céu fecha e o mar fica agitado, as famílias de Ponta Negra já precisam se mobilizar para não sair no prejuízo. “Sempre que o tempo muda a gente já sabe que vai ficar sem energia. As pessoas passam aperto, pois não têm como armazenar seus alimentos e acabam perdendo tudo”, diz. Agora, cerca de 60 famílias irão receber placas solares para alimentar suas residências. E além da energia solar nas casas, miniusinas hidrelétricas de baixo impacto ambiental também serão instaladas para garantir o funcionamento 24 horas do Posto de Saúde, da Escola e da Associação de Moradores. 

 

Se em Trindade e Ponta Negra a mudança já é grande, na comunidade de Caieira, em Paraty-Mirim, a transformação será ainda maior. Por ali, cerca de 10 famílias que não tinham acesso a qualquer tipo de energia elétrica finalmente têm, agora, seus dias e noites iluminados. Os kits recém-instalados com painéis fotovoltaicos vão permitir que as famílias conservem seu pescado, além de impulsionar localmente o Turismo de Base Comunitária. “A vida das pessoas vai mudar drasticamente. Todos estão muito empolgados”, celebra Cauê. 

 

Nas últimas semanas, a Associação de Moradores de Trindade fazia uma reunião geral quando uma chuva caiu forte e toda a vila ficou no escuro. Desta vez, porém, o encontro seguiu adiante, com a energia armazenada pelos painéis solares: “Naquele dia, um dos únicos pontos de luz na comunidade era a sede da associação”, relembra Cauê, dando boas vindas a um novo tempo: “Mesmo nas trevas, as comunidades agora vão continuar brilhando”. 

Foto: Jonas Alves