Nem a chuva, que chegou no final da tarde de sábado na Região dos Lagos, atrapalhou a celebração da 2ª edição do Festival da Pesca – Feira de Projetos do Mar. Realizado na charmosa Praça Santos Dumont, no coração de Armação dos Búzios, o evento reuniu 19 projetos das comunidades pesqueiras da região, destacando a importância do Turismo de Base Comunitária para as comunidades costeiras.
O evento, gratuito e aberto ao público, reuniu famílias, turistas e moradores das comunidades tradicionais e encantou o público com a variedade de saberes das comunidades da região. Amanda Carvalho é consultora de soluções em tecnologia e está visitando a cidade pela primeira vez. Ela ficou encantada com a oportunidade de entretenimento e conhecimento da região, além das praias. “É como se eu tivesse ido para outras cidades também de certa forma e conseguisse acessar essas pessoas, esses artesanatos e o conhecimento das pessoas de outras regiões, então eu gostei bastante!”, compartilhou.
Para os expositores, os recursos do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) Frade direcionados aos projetos e geridos pelo FUNBIO, marcam uma mudança decisiva nas comunidades pesqueiras. Luciana, presidente da Associação Bonecas Negras, conta que desde que receberam esse apoio a visão sobre o potencial e a importância do trabalho desenvolvido pela instituição se transformou. “Tudo isso que aconteceu, com o apoio ao projeto, veio para mostrar quem éramos nós. Porque a gente não tinha noção da força que a gente tinha”, relembra.
A virada de chave marca um novo olhar para as oportunidades relacionadas ao turismo na região. Seja através da gastronomia ou do artesanato, as comunidades pesqueiras compartilharam com orgulho conquistas concretas relacionadas à educação ambiental e à bioeconomia.
“A gente quer incentivar o turismo de experiência, em que a pessoa entenda que está em uma reserva extrativista, consumindo a cultura local e não seja simplesmente um passeio de barco. Arraial tem muito mais para mostrar: tem cultura, biodiversidade e culinária.”, defende Murilo Martins, maricultor do projeto Lagos em Ação.
A iniciativa Lagos em Ação levou à feira o frescor das ostras e vieiras cultivadas dentro da Reserva Extrativista Marinha (RESEX) do Arraial do Cabo. A balsa flutuante do projeto, que utiliza energia solar e biodigestores, exemplifica como a interação entre ciência, maricultura e gastronomia indica o potencial da bioeconomia e do Turismo de Base Comunitária (TBC) na Região dos Lagos.
Mulheres que pescam, produzem e inspiram

Representantes dos projetos da Região dos Lagos
Ainda que a pesca seja uma atividade majoritariamente masculina, o protagonismo feminino chamou atenção para um reconhecimento necessário: a força de transformação das mulheres que apostam na diversificação das fontes de renda vindas das relações com o mar.
Durante a Roda de Conversa III: Cultura alimentar, as participantes relembraram o quanto o trabalho feminino relacionado à pesca foi apagado. “Muitas mulheres limpavam o peixe que seu esposo comprava, mas não recebiam por isso”, relembra Fernanda Pires, presidente da Cooperativa Arte e Peixe.
Fernanda também exaltou o papel do projeto do FUNBIO ao trazer clareza de que o conhecimento que elas tinham tinha potencial para se transformar em oficinas de gastronomia, ministradas pela cooperativa. “A partir do momento que você transforma esse peixe em outro produto, você agrega valor ao seu pescado”, comemora.
A Associação das Mulheres Caiçaras Buzianas também comemora a nova fase. O “Café Caiçara”, baseado em tapioca, bata-doce e aipim, é oferecido por elas e resgata ingredientes que marcam a história de Búzios e trazem “a perspectiva da gente ter o nosso próprio dinheiro”, compartilha Sarah, representante da associação.
Já as Mulheres Nativas de Arraial do Cabo, uma cooperativa de pescadoras acima dos 60 anos, levaram ao festival suas já conhecidas criações à base de camarão e, além disso, uma receita exclusiva feita para o evento. “Fizemos uma parceria com a Lagos Em Ação e criamos esse prato de ostras gratinadas que está sendo lançado hoje aqui, para todos”, conta Zenilda, vice-presidente da cooperativa.
A parceria mostra um dos grandes potenciais de eventos como o Festival da Pesca: a oportunidade de troca e fortalecimento entre os projetos. Filha, neta, bisneta e irmã de pescadores, Zenilda também defende que eventos como esse servem para garantir que os mais jovens vislumbrem um futuro no trabalho junto a suas comunidades. “Ao me aposentar, eu retorno a essa vivência tradicional, cultural dentro da nossa terra. E aí buscamos resgatar tudo isso para que esse conhecimento permaneça, principalmente para os mais jovens”, argumenta Zenilda.
O resgate da cultura afro buziana pelas mulheres da pesca

Lea, integrante da Associação Bonecas Negras
“Superou as expectativas, fiquei muito impressionada com as vendas, mas foi a estrutura que me deixou mais impressionada. A cobertura, esse cuidado com a proteção, bombeiro, segurança, o nível do banheiro. Está tudo incrível.”, contou empolgada Luciana Passos Rafael, presidente da Associação Bonecas Negras, sobre a participação no evento.
A presença do grupo encantou o público com criações que unem cultura afro-brasileira, ancestralidade e sustentabilidade, e que agora ajudam a redesenhar o turismo em Búzios. “Acho muito importante falar dos dois quilombos que tem aqui”, destaca, lembrando que “tem um valor quando a pessoa gosta do produto e muda completamente quando você conta a história. Aí a pessoa que ia levar um já leva dois, três”, conta Luciana, ao celebrar o reconhecimento da história e do valor simbólico de suas criações.
Para ela, o resgate da cultura afro buziana é um caminho essencial para transformar o turismo local, hoje mais atento à valorização das origens caiçaras e da forte descendência africana da cidade. “Cada boneca carrega a memória da nossa história e ajuda as mulheres da comunidade a gerar renda com orgulho do que são”, explica Luciana enquanto comemora o bom número de vendas.
Com mais de 1000 visitantes por dia, o Festival criou um espaço de encontro e conexão entre identidade e consumo consciente, ampliando a renda das comunidades e diversificando a cadeia econômica ligada ao mar. Para Luciana, esse é um movimento em expansão: “Os locais que vendem para gente, eles gostam de vender contando história. É uma coisa que está se propagando pela cidade inteira.”, conclui.
Imagem: Joaquim Lima

