Mulheres na Pesca Artesanal: Desafios e Caminhos para o Futuro

Historicamente dominado por homens, nos últimos anos, o setor tem atraído um número crescente de mulheres, que reivindicam condições de trabalho mais inclusivas, igualitárias e democráticas. 

A luta das mulheres por mais espaço e voz na sociedade também se reflete na pesca. No estado do Rio de Janeiro, a participação feminina ainda é inferior a 30% do total de profissionais do setor, segundo dados do Painel Unificado do Registro Geral da Atividade Pesqueira (2024), obtidos pelo Ministério da Pesca e Aquicultura e pela Fundação Instituto de Pesca do Estado do Rio de Janeiro (FIPERJ).  

“Infelizmente, a região Sudeste ainda não é reconhecida como um polo de pesca artesanal, sendo mais vista como um destino turístico. Apesar do crescimento da participação feminina no setor, ainda há uma desconfiança em relação às mulheres que atuam na pesca. Temos pouca voz e espaço, mas seguimos firmes na luta”, afirma Cleusa dos Remédios Rocha, presidente da Cooperativa de Trabalho Mulheres Pescadoras, Aquicultoras e Artesãs da Prainha (MUPAAP) e pescadora tradicional de Arraial do Cabo. 

Apesar desse cenário desafiador, o interesse das mulheres em ingressar na pesca artesanal, que é realizada por comunidades tradicionais e prioriza métodos de trabalho mais sustentáveis, tem se tornado cada vez mais evidente. Essa realidade pode envolver diversas razões, incluindo a paixão pelo ofício, a busca por uma fonte alternativa de renda e subsistência, bem como o desejo de promover práticas de pesca que respeitem o meio ambiente. Além disso, a inclusão das mulheres nesse segmento pode contribuir para o fortalecimento das comunidades pesqueiras e para a promoção da equidade de gênero no setor. 

Para impulsionar a inclusão feminina no setor e, ao mesmo tempo, fomentar o turismo e a sustentabilidade socioambiental, o Projeto Educacional Ambiental, sob gestão do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (FUNBIO), apoia diversas iniciativas de engajamento na região litorânea do estado do Rio de Janeiro.  

Empoderamento feminino e Equidade de Gênero movem cooperativa em Arraial do Cabo 

Criada em 2018, a Cooperativa de Trabalho Mulheres Pescadoras, Aquicultoras e Artesãs da Prainha (MUPAAP) Sol, Salga e Arte promove o protagonismo feminino em uma das áreas mais vulneráveis de Arraial do Cabo. Organizadas coletivamente como um quilombo urbano, 70% de suas integrantes são mulheres, incluindo participantes afrodescendentes, fortalecendo a democratização e a equidade de gênero e racial no setor pesqueiro da região.  

“Neste país, as mulheres frequentemente assumem o papel de chefes de família. Por isso, valorizar o protagonismo feminino e negro na pesca artesanal é uma forma de enfrentar o racismo estrutural e as opressões de gênero em Arraial do Cabo, além de fortalecer a economia local”, afirma Cleusa da MUPAAP. 

Por meio da iniciativa “Fortalecimento da Cooperativa”, a MUPAAP ampliou a comercialização de pescados, artesanatos e pratos típicos, elaborados por pescadoras e marisqueiras. Essa ação contribui para a preservação do patrimônio cultural e natural local, além de promover geração de renda e valorização da tradição comunitária. 

Pesca Artesanal e Valorização da Cultura Afro, Turismo Comunitário e Sustentabilidade 

A pesca artesanal pode ser uma fonte de inspiração para atividades que promovem a inclusão, preservam a história e valorizam tradições e práticas culturais. Em Armação de Búzios, a Instituição Bonecas Negras, por meio da iniciativa Alma Buziana, realiza oficinas e práticas de artesanato focadas na confecção de bonecas, colaborando para a valorização da cultura afro, o crescimento do turismo comunitário e a sustentabilidade local. 

“Graças aos recursos do projeto do FUNBIO, estamos mostrando, por meio do artesanato, que o nativo buziano possui uma cultura riquíssima e multicultural. Além disso, o produto identifica-se com a população negra e gera renda, promovendo a inclusão social e econômica”, destaca Luciana Passos, presidente da Associação Bonecas Negras de Búzios. 

A Rota Cultural Afro Buziana, uma das ações ligadas ao projeto, destaca a história do Quilombo da Rasa, cuja cultura é profundamente ligada à pesca artesanal transmitida por gerações. “A história do Quilombo da Rasa é muito rica e reflete uma cultura que passa de pais para filhos”, afirma Luciana, ressaltando como a rota traz visibilidade e renda para pescadores tradicionais e marisqueiras. 

Há nove anos promovida no município, a iniciativa também resgata a memória quilombola e dissemina conhecimentos ancestrais. “Venho de uma família de pescadores e meus filhos continuam nesse ramo. Participar da Rota, ao longo de todos esses anos, despertou meu orgulho de ser quilombola e reacendeu memórias e vivências como nativa da comunidade da Rasa”, conta Vandelea Pereira, mais conhecida como Leia, griô e quilombola, que participa ativamente da ação.  

Mulheres 60+: Empoderamento feminino na Pesca Artesanal de Arraial do Cabo 

Na teoria, não há barreiras para ingressar no universo da pesca artesanal. Na prática, porém, os desafios são muitos. A Cooperativa de Mulheres Produtoras da Pesca Artesanal e de Plantas Nativas da Região dos Lagos superou um desses obstáculos e tornou-se a única da região a incluir mulheres com mais de 60 anos na gestão pesqueira de Arraial do Cabo. 

“Precisamos ser ouvidas! Nossa rede se fortalece quando nos unimos e reconhecemos as dificuldades. A luta ganha força quando expomos nossas necessidades e caminhamos juntas para enfrentar os desafios”, destaca Margareth Julião, uma das idealizadoras da iniciativa. 

Por meio da iniciativa “Mulheres em Ação”, a cooperativa trabalha para valorizar e perpetuar a pesca artesanal em Arraial do Cabo, revitalizando o espaço destinado ao beneficiamento e à comercialização de pratos típicos com sabores tradicionais da região. A iniciativa também inclui ações socioculturais, como a pintura e decoração da sede da cooperativa com elementos característicos da pesca artesanal, contribuindo ainda para o fortalecimento do turismo de base comunitária. 

A crescente participação feminina na pesca artesanal desafia tradições históricas e abre caminho para novas perspectivas de renovação no setor, gerando impactos positivos na economia e na sustentabilidade local. Valorizar o protagonismo feminino torna-se fundamental para a construção de um ambiente profissional mais justo, inclusivo e resiliente.