Por uma vida melhor

Quando a noite cai, a rotina se repete: dezenas de pescadores da Associação Barcos de Bocas Abertas (AVPBBA), de Arraial do Cabo, já estão posicionados no mar. Seus refletores acendem e, atraídas pela luminosidade, as lulas começam a ser capturadas. Desta vez, porém, sem o ruído estrondoso dos geradores a diesel e com energia limpa: 40 barcos da associação (cerca de 90% deles) agora são alimentados a energia solar.

A mudança brusca – e positiva – aconteceu em apenas seis meses. A iniciativa SustentaMAR começou os trabalhos em janeiro de 2025, e é uma das oito contempladas pelo Projeto Educação Ambiental, em um edital voltado à implementação de tecnologias ambientais desenvolvidas em comunidades pesqueiras do litoral fluminense.

 Com 20 anos de existência, é a primeira vez que a Associação Barcos de Bocas Abertas recebe apoio de um projeto. E seus membros não poderiam estar mais felizes. “Nossos pescadores gastavam muito com diesel. Em apenas uma saída eles precisavam de pelo menos um galão de 20 litros para o gerador funcionar por seis horas de pesca. E além da questão financeira, acabavam respirando muita fumaça”, diz Tairiny Corrêa, secretária da associação e coordenadora técnica da iniciativa.

 No início da proposta, Tairiny diz que havia uma grande preocupação de os pescadores não aderirem às mudanças. Mas logo a desconfiança deu lugar à satisfação: “Tivemos uma aceitação de 200%”, brinca ela. “Já temos muitos relatos dos associados dizendo como a vida deles mudou”.

 Antes de comprar e instalar os painéis fotovoltaicos, a equipe do SustentaMAR fez uma grande pesquisa para definir os equipamentos mais adequados. Afinal, não havia em Arraial do Cabo nenhuma referência de embarcações similares que usavam essa fonte de energia. Agora, eles próprios se tornaram referência na região.  

 E não pararam por aí. Além do kit solar nas embarcações, a iniciativa agora parte para a segunda etapa dos trabalhos, que vai contemplar principalmente os cerca de 10% dos associados que não receberam os painéis fotovoltaicos. Será construído um ponto de carregamento de baterias na marina dos pescadores, por meio de um telhado também com placas solares. Se antes era necessário levar as baterias dos barcos em oficinas que cobram em torno de R$ 40 por recarga, agora os pescadores terão autonomia para fazer isso sem custos.

“Tivemos um salto enorme, nossa associação está muito feliz! Até os pescadores mais velhos estão nos mandando fotos e vídeos deles pescando no silêncio, com o ar totalmente limpo”, celebra Tairiny. “O projeto nasceu de um sonho. E hoje é muito bom ver nossa comunidade agradecida por ter concretizado algo inovador e totalmente sustentável”.

Saneamento é básico

Em Magé, na Baixada Fluminense, são os sonhos também que têm movido a Associação de Pescadores Desportivos Luthando pela Vida (APDLPV), que resolveu enfrentar uma realidade complexa nas comunidades pesqueiras de Piedade e Suruí: com níveis baixíssimos de saneamento básico, apenas cerca de 6% da população do município é atendida com esgotamento sanitário, e aproximadamente 27% ainda não têm abastecimento de água, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

 “Muitas famílias têm fossas abertas e aquela vala negra no quintal, com crianças brincando por perto. Há tempos nós queremos cuidar disso, mas não sabíamos como”, diz Lucimar Machado da Silva Ferreira, fundadora da associação Luthando pela Vida. Foi daí que nasceu o Vozes do Mangue – Saneamento e Tradição na Baía, contemplado pela chamada de Tecnologias Ambientais, do Projeto Educação Ambiental.

 Articulada com outras associações e movimentos que fazem parte da APA Guapi-mirim, Lucimar já havia participado de um curso realizado pela iniciativa Guanamangue, que recebeu apoio do componente Manguezais, do Projeto Pesquisa Marinha e Pesqueira, em 2023. À época, os moradores do Quilombo do Feital aprenderam e construíram um biodigestor no território.  Agora, Lucimar resolveu replicar e adaptar a ideia com o Vozes do Mangue.

 Em formato piloto, a iniciativa vai possibilitar a construção de biodigestores e fossas ecológicas em alguns pontos estratégicos do território, para o tratamento de esgoto. Quatro localidades irão receber um sistema de calhas, cisternas e filtros para captação de água da chuva. E filtros de barro também foram distribuídos em algumas comunidades.

 Além das famílias associadas à Luthando pela Vida, o projeto também beneficiará diretamente o Quilombo do Feital e a Associação de Caranguejeiros e Amigos dos Mangues de Magé (ACAMM), impactando cerca de 600 pessoas e ajudando a conservar os manguezais da Baía de Guanabara. E uma parceria com a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) vai permitir a coleta de dados antes e depois da instalação das fossas,  para uma avaliação mais nítida sobre sua eficiência.

 “Estou muito ansiosa para ter os resultados em mãos e começar a articular a continuidade desse projeto-piloto, multiplicando-o para outras casas”, diz Lucimar. “Já fizemos as instalações de algumas calhas e cisternas, e as pessoas estão felizes da vida. Não vejo hora de tampar as valas negras, para dar mais dignidade às famílias. Água potável e esgoto tratado é o mínimo que todo mundo precisa ter”.  

Imagem: reprodução AVPBBA