Protótipos de toninha

Somente no Rio Grande do Sul, entre fevereiro de 2018 e maio de 2019, cerca de 300 toninhas foram encontradas encalhadas na areia. O número, porém, é a ponta de um iceberg: em 2002 e 2013, oceanógrafos ligados à Universidade Federal do Rio Grande (FURG) subiram a bordo de barcos de pesca da região e marcaram os cetáceos capturados incidentalmente pelas redes de emalhe. Encontraram que apenas 11% desses indivíduos mortos chegam à beira da praia. A outra parcela acaba apodrecendo, afundando ou sendo comida por outros animais, tornando-se invisíveis às estimativas de mortalidade.

Os trabalhos pioneiros feitos com carcaças de toninhas no Rio Grande do Sul acenderam a luz amarela – e ela até hoje não se apagou: se o número de indivíduos encontrados na praia já é alto, sabe-se que morrem muito mais toninhas no mar. De olho neste cenário, quatro iniciativas que integram o Projeto de Conservação da Toninha resolveram simular
a deriva do animal. A ideia é refinar as taxas de mortalidade em cada região, para se entender qual a porcentagem estimada de animais mortos que chegam à beira da praia.

“Isso varia de local para local. Dependendo do perfil do litoral e das condições de corrente, de vento, vai ter mais ou menos carcaças chegando na areia. Por isso, não dá para usar resultados de outros estados”, explica o pesquisador Milton Marcondes, do Instituto Baleia Jubarte, que tem trabalhado com as toninhas nos estados do Espírito Santo e Rio de Janeiro.

Há dois anos, o Instituto começou esse trabalho em águas capixabas. Como o uso de carcaças de toninhas não é algo tão simples – elas precisariam ser congeladas e reunidas em grande quantidade para, então, serem lançadas ao mar –, os pesquisadores tiveram que usar a criatividade para simular a deriva dos animais. De melancia a pedaços de madeira, a variedade de soluções testadas é enorme.

“No Espírito Santo é algo inédito esse experimento com objetos”, diz Marcondes, que chegou a soltar 120 conjuntos de bambus amarrados com fibra para entender onde vão parar as toninhas mortas. “Fizemos testes em caixas d’água usando tronco de coqueiro, melancia, melão, e fomos observando o comportamento ao longo do tempo. Descartamos um a um. Quando juntamos alguns bambus amarrados, vimos que eles conseguiam representar a carcaça da toninha em termos de tamanho e de flutuação”, explica.

As solturas de objetos são feitas em diferentes áreas e épocas do ano, para que a simulação da deriva aconteça com todas as condições oceanográficas e climáticas possíveis. As datas e coordenadas de cada local são anotadas e os objetos carregam números de telefone: assim as equipes dos projetos são avisadas caso alguém encontre as peças. Depois de informar as comunidades locais sobre o experimento, os próprios pesquisadores percorrem as praias para registrar quantos e quais objetos chegaram à beira mar.

Além do Espírito Santo, o experimento também está sendo reproduzido nos litorais de São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Nestes estados, a Associação MarBrasil também começou com o lançamento de tocos de madeira em alto mar. Cada novo dado registrado alimenta um software, e a partir de um modelo matemático, os pesquisadores têm um olhar mais apurado sobre o comportamento dos animais mortos à deriva.

“Aos poucos vamos ganhando mais confiabilidade para responder algumas perguntas. Se uma toninha é capturada numa determinada área, em condições oceanográficas específicas, podemos saber qual a probabilidade de ela ser encontrada em uma praia x”, explica Pedro Castilho, que está à frente dessas atividades pela Associação MarBrasil.

A inovação tecnológica está levando os estudos da toninha a outro patamar. O próximo passo, diz Castilho, é substituir os tocos de madeira para fazer a soltura de toninhas sintéticas confeccionadas de espuma expansiva e resina acrílica. Anexada a um aparelho GPS que envia sinal em tempo real, o protótipo de golfinho promete melhorar ainda mais a precisão do modelo matemático que é alimentado pela Associação MarBrasil, levantando informações como rotas e velocidade dos corpos à deriva. “A partir desses dados mais refinados de mortalidade, podemos atuar na gestão pesqueira de forma mais estratégica para reduzir a captura acidental”, afirma Castilho.

Texto originalmente produzido pelo jornalista Bernardo Camara para a newsletter “Linhas do Mar” para divulgação dos Projetos Apoio à Pesquisa Marinha e Pesqueira, Educação Ambiental e Apoio a UCs.

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