SUBPROJETO:
otólitos

SUBPROJETO ANÁLISE QUÍMICA DE OTÓLITOS COMO FERRAMENTAS PARA A IDENTIFICAÇÃO DE ESTOQUES PESQUEIROS, MIGRAÇÃO E CONECTIVIDADE ENTRE HABITATS NA COSTA DO RIO DE JANEIRO.

O Subprojeto Análise Química de Otólitos como Ferramentas para a Identificação de Estoques Pesqueiros, Migração e Conectividade entre Habitats na Costa do Rio de Janeiro, também denominado de Otólitos, foi realizado pela Fundação de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (FAPUR/UFRRJ), entre os anos de 2017 e 2021.

O seu principal objetivo foi utilizar a análise química de otólitos como ferramentas para a identificação dos padrões de movimentação, migração e conectividade de populações de peixes entre sistemas costeiros do estado do Rio de Janeiro. A dinâmica espacial de importantes estoques pesqueiros, como corvinas (Micropogonias furnieri), tainhas (Mugil liza), pescadas (Cynoscion leiarchus) e robalos (Centropomus undecimalis) foi investigada, utilizando-se de indivíduos jovens e adultos.

Os otólitos são estruturas policristalinas, compostas por carbonato de cálcio e proteína, que se desenvolvem na cápsula auditiva dos ouvidos internos de peixes teleósteos3, cuja principal função é auxiliar no equilíbrio desses animais. Os otólitos crescem pela incorporação de novas camadas concêntricas de carbonato de cálcio, em forma de camadas que induzem à formação de anéis que se formam de acordo com fatores exógenos, como mudanças de habitat e migrações, e fatores endógenos como período reprodutivo e mudança de hábito alimentar.

Devido à característica inerte dos otólitos, alguns aspectos da história ambiental do peixe podem ser inferidos, a partir da impressão química deixada pela incorporação de elementos, como estrôncio e bário, por exemplo. É comum que concentrações de estrôncio aumentem na água salgada e concentrações de bário aumentem na água doce. Os otólitos podem trazer informações da história de vida do peixe e da conectividade entre os ecossistemas.

Por que fazer?

O entendimento do papel dos habitats costeiros no ciclo de vida dos peixes, especialmente, daqueles explorados comercialmente é de crucial importância para o gerenciamento e uso sustentado dos recursos pesqueiros. Pouco se conhece sobre a importância e a conectividade entre os ambientes semifechados e a plataforma continental adjacente. Devido ao elevado grau de heterogeneidade ambiental, bem como às múltiplas interações com áreas adjacentes, baías e lagoas costeiras, destacam-se entre os ambientes semifechados como fundamentais para preservação da biodiversidade.

O estado do Rio de Janeiro tem 635 quilômetros de extensão, ao longo do qual se distribuem diferentes sistemas. As lagoas costeiras de Araruama (220 km²), Saquarema (24 km2) e Maricá (34 km²) são ambientes abrigados, apresentando habitats heterogêneos e condições de salinidade distintas entre si. Estes três sistemas podem ser considerados como lagoas “sufocadas”, isto é, com ligação com o mar feita por um estreito canal que elimina praticamente o efeito das marés. O tamanho diferenciado das áreas e a variação de salinidade (Araruama, 23-84; Saquarema, 11-40, e Maricá, 5-30) devem ser investigados como eventuais determinantes dos padrões de distribuição dos peixes jovens nestes sistemas.

As Baías de Sepetiba (450 km2), da Guanabara (380 km2) e da Ilha Grande (650 km2) têm distintas áreas e geomorfologia, com diferentes gradientes de salinidade. Na Baía de Sepetiba, há maior aporte de água doce, já na Baía da Ilha Grande, a linha do litoral é bastante recortada, alternando trechos com costões rochosos, praias e manguezais que se desenvolvem nas áreas abrigadas, como os recôncavos de enseadas e sacos. Nas baías de Sepetiba e Guanabara destaca-se uma acentuada influência antropogênica nas margens e uma considerável formação de mangue na parte mais interna. A Baía da Guanabara é resultante de uma depressão tectônica entre dois blocos de falha geológica: a chamada Serra dos Órgãos e diversos maciços costeiros, menores. Estas diferentes caracterizações locais também são determinantes para os padrões distribucionais das espécies.

Conhecer os padrões de distribuição e movimentos entre os ecossistemas costeiros protegidos e a plataforma interna dos recursos pesqueiros e da comunidade de peixes em geral, é fundamental para uma política direcionada para priorizar a proteção de áreas chaves, responsáveis pela criação das espécies estudadas na pesquisa. Nestas áreas, ocorrem maiores recrutamentos de peixes, com diferenciada importância em cada sistema, para a formação de estoques dos indivíduos adultos.

O grupo formado pelos pesquisadores em ecologia de peixes da UFRRJ, UNIRIO, UFF e UFERSA, com o apoio da estrutura do laboratório de espectrometria atômica (ICP OES e ICP-MS) da PUC-Rio, buscou alcançar os objetivos traçados neste estudo, uma iniciativa inovadora e única no Brasil. Para isto, foram escolhidos os sistemas costeiros semifechados do estado, importantes áreas de recrutamento para espécies de valor comercial.

O estado do Rio de Janeiro ocupa a 3ª. posição de produção de pescado marinho e estuarino do país, com uma estimativa de 79.000 toneladas no ano de 2013, segundo a Fundação Instituto de Pesca do Estado do Rio de Janeiro (FIPERJ)4. No entanto, é necessário ter estimativas mais precisas, tendo em vista as descontinuidades das fontes de dados e carências de informações de produção, bem como do conhecimento da dinâmica da pesca, e de estudos sobre a biologia dos principais recursos explorados. Assim sendo, o conhecimento dos padrões de movimentos é fundamental para se avaliar a condição dos estoques e definir as estratégias de exploração sustentável. Esta proposta reuniu o uso de métodos eficientes para o rastreamento de ocorrência de jovens e adultos das espécies selecionadas, no sentido de priorizar áreas de proteção, contribuindo para a conservação destes recursos renováveis de grande importância na economia regional.

Como foi realizado?

O Subprojeto foi realizado de acordo com os objetivos específicos6 da pesquisa, que foram realizadas utilizando análise química de otólitos como ferramentas para a identificação de estoques pesqueiros, migrações e conectividade entre habitats na costa do Rio de Janeiro. Buscou-se conhecer a contribuição de ecossistemas costeiros semifechados (baías e lagoas costeiras) para populações de peixes adultos de quatro recursos pesqueiros da plataforma interna (corvinas, tainhas, pescadas e robalos), bem como os padrões de movimentos destes peixes entre os sistemas costeiros rasos e a plataforma interna. Adicionalmente, foi feito um intenso programa de arrasto de praia nestes sistemas, para: (1) identificar áreas de recrutamento/criação da comunidade de peixes jovens e (2) sugerir áreas prioritárias de proteção para o uso sustentado destes recursos.

Para sua execução foi formada uma equipe de pesquisadores de instituições de pesquisas (UFRRJ, UNIRIO, UFERSA, UFF, PUC-Rio) com experiência em ecologia de peixes das baías da Ilha Grande, Sepetiba e Guanabara e das lagoas costeiras do norte do estado.

As ações realizadas incluíram: identificação de áreas prioritárias para a conservação dentro dos sistemas, através do mapeamento de berçários de peixes que mais contribuem para o estoque reprodutivo das espécies selecionadas; determinação da contribuição dos diferentes sistemas como área de recrutamento para estes estoques pesqueiros e para construir referenciais de base dos elementos químicos na água e nos otólitos das espécies-alvo; análise da ecologia da comunidade de peixes jovens.

Foram planejadas e realizadas 12 campanhas bimestrais de amostragens com arrastos-de-praia nos seis sistemas estudados (Baía da Ilha Grande, Baía de Sepetiba, Baía de Guanabara, Sistema Lagunar de Maricá, Complexo Lagunar de Saquarema e Complexo Lagunar de Araruama), entre setembro de 2017 e julho de 2019.

Espécies de peixes selecionadas para o estudo:

Corvina (Micropogonias furnieri): Um dos recursos pesqueiros demersais7 mais importantes no Sudeste do Brasil, cuja biologia e ciclo de vida têm sido estudados, porém, carece de informações precisas para ambientes-chave, haja vista a plasticidade8 no uso dos sistemas.

Tainha (Mugil liza): tem sido reportada como espécie semi-catádroma9, com os juvenis sendo recrutados em lagoas costeiras e áreas estuarinas, seguindo-se de um período de migração na plataforma interna para reprodução.

Pescada (Cynoscion leiarchus): espécie registrada usualmente sobre fundos lamosos e arenosos de regiões estuarina e ao longo da costa até uma profundidade de 60 m. Apresenta ciclo de vida semelhante ao da corvina, mas os juvenis apresentam menor ocorrência em praias de zonas protegidas.

Robalo (Centropomus undecimalis): ciclo de vida pouco conhecido, sendo reportado como eurihalino10, podendo ser encontrado tanto no mar como nas águas salobras estuarinas, lagunas e lagoas.

Principais resultados:

O Subprojeto Otólitos forneceu subsídios para políticas de conservação e de gerenciamento no uso dos recursos pelos órgãos competentes públicos e privados.

Conheça alguns dos principais resultados do Subprojeto:

· Efeitos hierárquicos, espaciais e ambientais foram detectados para peixes costeiros. Os efeitos ambientais na escala da paisagem explicaram a maior parte da variação da assembleia de peixes. As espécies mais dependentes de estuários foram relacionadas a gradientes ambientais mais amplos e estavam, principalmente, associadas a uma maior cobertura de manguezais. Os efeitos marinhos ou continentais prevaleceram nas espécies menos dependentes dos estuários.

· Foram encontradas evidências sobre a relevância da conectividade entre habitats para a manutenção da estrutura das assembleias de peixes.

· O estudo evidenciou a relevância da manutenção da heterogeneidade ambiental em habitats estuarinos para a permanência das assembleias de peixes próximos à costa.

· Os grupos de pesquisadores da UNIRIO e da UFRRJ registraram pela primeira vez a ocorrência da espécie Opsanus beta, que é um peixe-sapo não nativo, originalmente descrito no Golfo do México, entre a costa oeste da Flórida e Belize. Acredita-se que a introdução de peixes predadores não nativos tenha efeitos negativos consideráveis sobre as populações de presas nativas. Os registros foram, respectivamente, na baía de Guanabara e na baía de Sepetiba e, provavelmente, a espécie foi trazida para estas baías pela água de lastro de navios. Treze espécimes foram registrados nesta área próxima ao Porto de Sepetiba e um espécime próximo ao Porto do Rio, na baía de Guanabara. Vários indivíduos foram encontrados na fase de desova. Isso levanta preocupações sobre o alto potencial de impacto desta invasão, devido à dieta e capacidade reprodutiva da espécie.

· Ao longo dos doze meses de coletas nas três lagoas costeiras fluminenses, foram detectadas 100 espécies pertencentes a 40 famílias. A família Engraulidae foi a que apresentou o maior número de representantes, com oito espécies, seguida pelas famílias Clupeidae, Carangidae, Gerreidae e Sciaenidae, todas com sete espécies. Dentre as espécies coletadas nas três lagoas, 21% foram co-ocorrentes em todos os sistemas (21 espécies).

· As influências marinhas temporais e espaciais favoreceram a variação equilibrada na abundância de diferentes espécies, provavelmente, por permitir espécies marinhas com diferentes tolerâncias e requisitos ambientais. Este estudo evidenciou os principais mecanismos relacionados à escala que impulsionam a diversidade temporal de peixes em lagoas costeiras tropicais.

· As assembleias de peixes foram, significativamente, diferentes entre os sistemas. As baías tiveram o maior número de espécies, enquanto as lagoas tiveram a maior abundância numérica e biomassa.

· A transparência da água e a temperatura explicaram uma pequena parte da variação na estrutura da comunidade. Este estudo destacou o complexo papel que fatores locais têm sobre a distribuição dos peixes. Essas abordagens foram eficientes para descrever a estrutura e o funcionamento das assembleias nesses diferentes sistemas costeiros. Isso deve ser visto como essencial para qualquer comparação de sistemas costeiros e, em particular, para o planejamento e conservação ambiental.

· As condições do habitat variaram consideravelmente entre as zonas, confirmando a hipótese de que ambientes heterogêneos tendem a apresentar maiores mudanças na composição biológica. Os resultados sugerem que as estratégias para a conservação da biodiversidade em baías tropicais devem focar na proteção de áreas que abranjam diversos habitats, especialmente, as zonas internas, pois essas áreas são propensas a ter maior diversidade e, portanto, podem ser de grande interesse para a conservação.

· Os resultados do estudo realizado com pescadores artesanais sobre alguns aspectos da reprodução, migração e interações (alimentação e parasitismo) da tainha, assim como sobre alguns aspetos gerais da pesca artesanal, em algumas comunidades da Baía de Sepetiba e da Baía da Ilha Grande, reforçaram a tese de que a tainha capturada na Baía da Ilha Grande (principalmente a capturada pelos pescadores da parte insular) é, praticamente, a tainha que vem do sul, durante a migração reprodutiva, pois as classes de tamanhos apresentadas pelos pescadores artesanais desta região se aproximam mais dos valores apresentados pelos pesquisadores do sul. Já as classes de tamanho apresentadas pelos entrevistados da Baía de Sepetiba são maiores, se aproximando mais dos valores apontados pelos autores que realizaram pesquisas nesta baía.

· O estudo evidenciou o conhecimento dos pescadores sobre a história natural das espécies nas duas regiões (Baía de Sepetiba e Baía da Ilha Grande). Os entrevistados apresentaram a percepção de uma nova população de tainhas na Baía de Sepetiba e de uma nova estação de desova. O período reprodutivo predominante apontado pelos pescadores das duas baías foi o inverno. Entretanto, eles também sugerem uma tendência da espécie para reprodução no verão, e esse padrão pode ser associado à população residente que ocorre sob estruturas formadas pelos megaempreendimentos existentes na Baía de Sepetiba.

· Este estudo também apontou a percepção dos pescadores das duas baías para espécies que podem ser consideradas como “espécies-chave”, fundamentais para a manutenção das atividades de pesca artesanal, porque são as mais capturadas nessas baías: corvina (Micropogonias furnieri), tainha (Mugil liza), robalo (Centopomus spp.), pescadinha (Isopisthus parvipinnis), parati (Mugil curema), carapau (Carangidae), xerelete (Carangidae), sardinha (Clupeiformes), cavala (Scomberomorus cavala), anchova (Pomatomus saltatrix) e espada (Trichiurus lepturus).

· Também foram registrados os casos mais críticos, segundo a percepção dos entrevistados, quanto à redução da abundância: sardinha (Clupeiformes), anchova (Pomatomus saltatrix), cavala (Scomberomorus cavala), sororoca (Scomberomorus brasiliensis), piraúna (Serranidae), pescada (Cynoscion acoupa) e goete (Scieanidae). Os entrevistados apontaram a poluição a pesca industrial como sendo os principais responsáveis pela redução da abundância de peixes nas duas baías estudadas.

· Como recomendação, a pesquisa apontou a necessidade de se considerar o conhecimento ecológico local de pescadores artesanais em futuros projetos de manejo e conservação, não apenas das espécies estudadas neste Subprojeto, mas de quaisquer espécie de peixe dos ecossistemas da Baía de Sepetiba e da Baía da Ilha Grande, uma vez que o conhecimento baseado na experiência dos pescadores sobre os ecossistemas e recursos marinhos é frequentemente de grande valor para o manejo de pesca.

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